Fibrodentinoma e fibroodontoma ameloblástico: neoplasias verdadeiras ou odontomas em desenvolvimento?

Na classificação dos tumores de cabeça e pescoço da Organização Mundial de Saúde, em 2017, o Fibrodentinoma Ameloblástico (FDA) e Fibroodontoma Ameloblástico (FOA) não foram incluídos no grupo das entidades clínicas patologicamente distintas. Essas lesões foram consideradas como odontomas em desenvolvimento. O debate sobre a natureza neoplásica ou hamartomatosa destes tumores mistos vem de longa data e pretendo, nesse espaço, apontar meu ponto de vista.

A natureza neoplásica ou hamartomatosa dos FDA e FOA sempre me causou curiosidade, tanto pela dificuldade de se encontrar respostas definitivas como pelo agradável exercício acadêmico que tal análise provoca. Um texto que trago à memória e que sempre comento com os meus alunos é: “The Mixed Odontogenic Tumors”, do Prof. David Gardner (1984). Este é um artigo que merece ser lido por todos os que são fascinados pelo estudo dos tumores odontogênicos, embora não tenha sido o primeiro a abordar o assunto e haja erros de diagramação.

Em seu estudo, Gardner (1984) afirma que o FDA seria o fibroma ameloblástico com formação aparente de dentina ou apenas a hialinização do conjuntivo ao redor das ilhas epiteliais. De acordo com o autor, os tumores mistos, incluindo o fibroma ameloblástico, o FDA e o FOA, apresentam  semelhanças microscópicas com o odontoma nas fases iniciais ou intermediárias do seu desenvolvimento. Lesões pequenas, localizadas sobre a coroa de dentes impactados e em crianças, por exemplo, poderiam representar uma fase inicial de odontoma. Por outro lado, tumores extensos, recidivantes, em adultos, seriam neoplasias verdadeiras.

Imagem microscópica do fibrodentinoma ameloblástico.

Figura: Imagem microscópica do fibrodentinoma ameloblástico.

Recentemente, na tentativa de buscar mais dados sobre o assunto, realizamos uma revisão sistemática, cujos resultados encontrados chamaram-me atenção, uma vez que, embora o potencial de recidiva do FDA e do FOA seja baixo, alguns tumores recidivaram semelhante ao que se observa com o fibroma ameloblástico. Outro aspecto não menos relevante foi que em cinco (5) casos observados, a recidiva do FOA não mostrou sinais de maturação para odontoma. Por outro lado, em quatro (4) casos recidivantes de FOA, a lesão mostrou quadro microscópico de odontoma. A explicação para esses casos de recidiva com maturação para odontoma é desconhecida. É interessante ressaltar ainda que existem FDA e FOA em pacientes adultos, o que torna difícil classificá-los como lesões hamartomatosas.

Acrescente-se, ainda, que em um trabalho recente do nosso grupo de pesquisa, analisamos o perfil molecular do fibroma ameloblástico, FDA, FOA e odontoma. Curiosamente, a mutação no gene BRAF foi encontrada em alguns tumores de todos os grupos, com a exceção do odontoma. Esse dado sugere que em alguns casos, o fibroma ameloblástico, o FDA e o FOA, podem apresentar perfil molecular distinto do odontoma, não sendo, portanto, hamartomas odontogênicos.

Para finalizar, mas deixando o debate aberto, gostaria de externar como lidamos com esse problema em nosso laboratório de patologia cirúrgica da UFMG.  Os odontomas seguem o processo normal da odontogênese, geralmente, apresentam dimensões pequenas ou moderadas e se localizam com frequência sobre a coroa de dentes impactados de pacientes jovens. Dentro desse contexto, eu adiciono uma nota: destacando a possibilidade de odontoma em desenvolvimento, no laudo histopatológico de tumores mistos em crianças nessas condições. Essa conduta expõe para o paciente e o cirurgião um cenário mais realista e evidencia nossas incertezas sobre o assunto, já que é impossível afirmarmos quais lesões podem evoluir para odontoma.

O que isso nos mostra?

Que não temos todas as respostas em patologia e que bom senso clínico e julgamento ponderado devem permear as nossas escolhas.

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Leitura complementar:

  1. Gardner DG. The mixed odontogenic tumors. Oral Surg 1984;57:395-397.
  2. Chrcanovic BR, Gomez RS. Ameloblastic fibrodentinoma and ameloblastic fibro-odontoma: an updated systematic review of cases re- ported in the literature. J Oral Maxillofac Surg 2017, 75:1425-1437.
  3. Coura BP, Bernardes VF, Sousa SF, Diniz MG, Moreira RG, Andrade BAB, Romanãch MJ, Pontes HAR, Gomez RS, Odell EW, Gomes CC. Target next-generation sequencing and allele-specific quantitative PCR of laser capture microdissected samples uncover molecular differences in mixed odontogenic tumors. J Mol Diag 2020;22:1393-1399.

 

 

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