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A importância do processamento laboratorial na análise de uma biópsia excisional

Biópsia excisional ou incisional?

Na Estomatologia, a escolha do tipo de biópsia é sempre um tema importante que fomenta muitos debates. Nesse post, eu não enfocarei as indicações de cada tipo de biópsia, mas destaco, em termos gerais, os dois tipos principais:  biópsia incisional (remoção parcial) e a biópsia excisional (remoção completa). Tradicionalmente, a primeira é indicada para lesões benignas extensas ou com suspeita de malignidade; enquanto, a segunda é indicada para lesões benignas de pequena dimensão. Nos casos de biópsia incisional, conforme o diagnóstico histopatológico da lesão (seja ela benigna ou maligna), o tratamento poderá ser modificado, podendo ser (ou não) cirúrgico.

 

Por que fazer biópsia excisional em casos de leucoplasia oral?

Em termos gerais, a recomendação é para que se faça a biópsia excisional para os casos de leucoplasia, uma vez que há heterogeneidade clínica, microscópica e molecular dessa condição. A leucoplasia é uma condição cancerizável, cujo processo de transformação da doença não ocorre de forma homogênea. Embora áreas eritematosas, encontradas na leucoplasia não homogênea, são mais preocupantes em relação à malignização, essa transformação também pode ocorrer em áreas brancas ou em lesões homogêneas. Diversos estudos mostram que, em alguns casos, em cortes seriados de biópsias de leucoplasia é possível encontrar secções que modificam o diagnóstico da doença para carcinoma de células escamosas. Em parte, isso ocorre em razão da heterogeneidade molecular, cuja visualização parcial da lesão pode resultar em diagnóstico impreciso. Em outros termos, podemos dizer que, é como se olhássemos a fotografia de uma casa e tivéssemos que adivinhar a cidade que ela está situada. A menos que a casa apresente peculiaridades arquitetônicas de uma determinada região, a probabilidade de nos equivocarmos será enorme.

Voltando à leucoplasia, a biópsia incisional serve, portanto, para indicar se a área removida apresenta (ou não) alguma transformação maligna. Contudo, é importante destacar que a análise de apenas uma parte da lesão não pode ser interpretada como representativa de toda doença. Destaco ainda que, diferentemente de outras lesões bucais que podem apresentar heterogeneidade microscópica, nos casos de leucoplasia, essa ocorrência pode resultar na falha no diagnóstico de carcinoma de células escamosas.

 

Importância do processamento histológico na biópsia excisional

Caro leitor, retomo aqui o título deste post; isto é, a importância do processamento laboratorial da biópsia. A biópsia excisional não é determinada apenas pelo procedimento cirúrgico; mas também, pela forma como o exame microscópico é processado, o que poderá comprometer a intenção do clínico em relação à excisão total da lesão. Para exemplificar melhor essa situação, vejamos, a seguir, um caso clínico de leucoplasia. A lesão foi submetida a uma biópsia excisional (Figura 1) e, na figura seguinte, temos a amostra que foi enviada ao laboratório (Figura 2).

Aspecto clínico da leucoplasia oral

Figura 1 – Imagem clínica de leucoplasia oral.

Imagem macroscópica da peça cirúrgica de leucoplasia oral

Figura 2 – Imagem do aspecto macroscópico da lesão após a biópsia excisional.

 

No laboratório, a amostra é seccionada para o processamento microscópico. Nesse estágio, conforme os planos de secção durante a macroscopia da lesão são realizados, é possível ter uma visão mais ampla ou apenas parcial da amostra (Figuras 3A e B). Isso ocorre porque o preparado histológico mostra somente a área em que os cortes foram realizados. Na figura 3A, foram realizadas mais de uma secção ao longo do eixo maior da lesão. Na figura 3B, os cortes para o processamento foram feitos na extremidade da amostra, seguindo o eixo menor do espécime. Com isso, é possível inferir que a área de tecido analisado, nas lâminas histológicas na figura 3B, será menor e menos representativa de toda a lesão. No que se refere à figura 3A, ao realizar os cortes seguindo o eixo maior da amostra, minimizaremos a ocorrência de resultado falso-negativo para o diagnóstico de carcinoma, a partir de biópsias de leucoplasias. De todo modo, vale ressaltar que caso realizemos múltiplas secções, mesmo no menor eixo, esse efeito poderá ser minimizado. Portanto, é importante que o procedimento microscópico compreenda a maior área possível, incluindo áreas heterogêneas (clinicamente verrucosas ou vermelhas, por exemplo).

Exame macroscópico da peça cirúrgica de leucoplasia oral

Figura 3 – Imagem macroscópica da lesão com as linhas que representam o sentido da secção da amostra durante a macroscopia para o processamento histopatológico. Na figura A foram realizados dois cortes seguindo o longo eixo da amostra, enquanto na B esses seguiram o menor eixo. Como pode ser observado, a área total que será analisada a partir das secções na imagem B será menor do que na A.

 

Levando-se em consideração os aspectos apresentados nesse post, mostramos como uma biópsia excisional não é determinada apenas pelo procedimento cirúrgico, mas também pela forma como o processamento histológico é realizado. Concluo, portanto, alertando que técnicos especializados e patologistas devem sempre se atentar para esta questão!

 

 

 

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Por que a biópsia pode não ser representativa da lesão?

O diagnóstico bucal reúne todo o conjunto de especialidades comprometidas na abordagem do paciente, dos exames laboratoriais e complementares utilizados para o estudo do caso. Por que uma biópsia pode não ser representativa da lesão?

Para responder a essa pergunta, é possível apresentar vários exemplos, mas utilizaremos o líquen plano para ilustrar uma situação clínica. O padrão clínico rendilhado, apresentando lesões, usualmente, bilaterais, na forma de estrias, com (ou sem) áreas erosivas, é característico do líquen plano (Figura 1). As áreas brancas visualizadas, clinicamente, resultam do processo de queratinização do epitélio, que surge em resposta a reação inflamatória no tecido conjuntivo subjacente. Entretanto, a queratina formada, durante o exame, decorre de um processo iniciado há semanas (ou meses) – e não significa que no momento da biópsia, o processo inflamatório ainda esteja presente. Por esse motivo, mesmo que a biópsia seja realizada no local das estrias, algumas vezes, o infiltrado inflamatório em banda subepitelial, importante elemento para o diagnóstico patológico, pode não está presente no momento do procedimento. Com isso, o quadro histopatológico será de hiperqueratose, embora, clinicamente, a doença, provavelmente, seja líquen plano. O clínico deve julgar se existe necessidade de realizar outra biópsia, diante do quadro histopatológico, embora não seja sugestivo da doença, pode ser encontrado, em razão das questões apontadas acima.

 

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Figura 1: Exemplo de líquen plano do tipo reticular

 

Outra questão importante é o local que se escolhe para fazer a biópsia, já que, os fenômenos imunopatológicos envolvidos na formação do líquen plano variam de intensidade, com momentos de grande atividade, que levam a destruição parcial do epitélio e a formação de áreas eritematosas, que são intercalados a outros menos severos, que estimulam a formação de queratina.

Diante disso, na hipótese do paciente apresentar áreas erosivas e outras hiperqueratóticas com padrão rendilhado, qual dessas se devem escolher? Particularmente, acredito que fazendo a biópsia na interface, entre as duas áreas (erosivas e estriadas) é possível observar os diferentes espectros do processo imunopatológico, aumentando a chance de se obter uma amostra mais representativa.  Fica claro que, o exemplo citado, é válido para os casos em que o paciente apresenta as duas formas clínicas (Figura 2).

Espero que esse texto tenha contribuído para esse debate. Compartilhe a sua opinião e continue acessando o nosso blog e site!

 

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Figura 2: Líquen plano erosivo. As setas indicam áreas erosivas intercaladas por outras exibindo linhas hiperqueratóticas. Essas áreas são de escolha para biópsia nesses casos.

 

 

 

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Preciso incluir tecido normal na biópsia?

Preciso incluir tecido normal na biópsia? Essa é uma pergunta curiosa e frequente em nosso cotidiano.

“É necessário incluirmos o tecido normal para o diagnóstico histopatológico?” Aproveito esse espaço para expor e trazer algumas reflexões sobre o assunto.

Para responder essa pergunta, precisamos, antes, contextualizar algumas situações. Vejamos, por exemplo, um caso clínico em que a hipótese principal é de carcinoma de células escamosas (Figuras 1 e 2).

O diagnóstico do carcinoma de células escamosas está ancorado em um conjunto de características que mostra basicamente a invasão do tecido conjuntivo pelas células neoplásicas.

A presença de tecido normal nesses casos é completamente dispensável para o diagnóstico. Entretanto, muitas vezes, o clínico realiza a biópsia próxima do tecido normal em razão da facilidade de se realizar a sutura.

Neoplasias são formadas pelo crescimento desordenado de células, rompendo o equilíbrio entre o estroma (tecido conjuntivo, no exemplo do carcinoma) e o parênquima que é formado pelas células tumorais. Esse desarranjo leva a uma modificação na consistência, na coloração e na vascularização da amostra removida para o exame.  Como consequência disso, o material coletado, no caso o carcinoma, muitas vezes, é friável, tornando difícil a sutura dos tecidos, após a remoção para análise microscópica. Por esse motivo, é interessante realizar a biópsia em um local mais próximo do tecido normal, embora isso não queira dizer que precisamos necessariamente do tecido normal para o diagnóstico.

 

Imagem de carcinoma de células escamosas no lábioImagem microscópica do carcinoma de células escamosas de boca

Figuras 1 e 2: Observe a presença de úlcera com bodas em rolete do carcinoma de células escamosas de lábio inferior. Na imagem microscópica temos o revestimento da mucosa bucal e mais profundamente notamos a presença de lençóis de células do carcinoma. Como a biópsia foi realizada na periferia, foi possível observar o revestimento da mucosa. Entretanto, para o diagnóstico, apenas a presença do componente neoplásico é necessário.

 

Apesar da presença de tecido normal ser dispensável em grande parte das situações clínicas do cotidiano, é importante destacarmos algumas exceções.

As doenças imunomediadas, como pênfigo vulgar ou os penfigóides, configuram uma situação distinta. Nessas enfermidades, o processo patológico leva a formação de uma bolha, intra ou subepitelial, dificultando a realização da biópsia e sua posterior análise pelo patologista. Nas regiões mais próximas do tecido normal, geralmente, existe maior preservação da relação epitélio/conjuntivo e a fragmento obtido terá a sua integridade mais bem preservada. Nesses casos, a biópsia próxima do tecido normal facilitará a visualização da possível fenda responsável pela lesão bolhosa, facilitando o diagnóstico. Nas áreas mais centrais da lesão, como é possível que já tenha ocorrido à perda do revestimento epitelial, a possibilidade de uma úlcera associada com processo inflamatório inespecífico é uma realidade. Isso traz frustação, tanto para o clínico como para o paciente, exigindo a repetição do exame.

Em resumo, a inclusão de tecido normal na biópsia deve-se muito mais a algumas peculiaridades, como as descritas acima, do que propriamente a necessidade de tecido normal para o diagnóstico.

Espero que esse texto tenha contribuído para o debate. Compartilhe a sua opinião e continue acessando o nosso blog e site!

 

 

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