Autoavaliação e Pós-Graduação

Existe um movimento crescente sobre a autoavaliação na Pós-Graduação e os seus impactos no sistema de avaliação, cujo desdobramento ocorre tanto na CAPES como nas universidades. Nesse post, proponho apresentar algumas reflexões que possam contribuir com a discussão da temática, buscando instigar a produção de mais material sobre o assunto e promover mudanças em nossas práticas!

 

Assim, a primeira pergunta que eu me faço é: por que precisamos fazer a autoavaliação?

Bom, em primeiro lugar, a autoavaliação deve ser vista como um conjunto de estratégias que nortearão mudanças nos Programas de Pós-graduação. Para que isso aconteça, o olhar externo não deve ser o único balizador, mas uma das ferramentas de diagnóstico utilizadas pelo Programa. A autoavaliação, portanto, é um olhar crítico e reflexivo, fundamental para a construção de novas políticas. Em outras palavras, ela não deve ser pensada como uma política de melhoria do conceito do Programa, nem deve ser feita como se estivéssemos preenchendo um check-list que busca apontar a nossa excelência. Na realidade, a autoavaliação não é feita para o outro, mas para nós mesmos, já que resulta em autoanálise, embora ajude também no reconhecimento que teremos pelos nossos pares.

 

Em segundo lugar, racionalizo: como deve ser feita a autoavaliação?

Em geral, não existem regras para buscarmos respostas que estão dentro das nossas práticas. Mas, percebo que precisamos escutar mais aqueles que estão envolvidos nos processos. Ou seja, devemos estar mais atentos ao nosso papel como formador de recursos humanos.

Se por um lado, a autoavaliação combina com maturidade e autocrítica, já que pressupõe que todos os atores encontrem nela um espaço convidativo à participação. De outra parte, ela deve ser contínua e sem hierarquias. Embora, muitas vezes, seja dolorosa, pode trazer também mudanças importantes para o cumprimento da missão dos Programas de Pós-Graduação. Nesse quesito, cabe uma ressalva: verificar se todos os envolvidos que fazem parte de um Programa de Pós-Graduação conhecem, de fato, a sua missão. Afinal, como cumpriremos nossa missão, sem conhecê-la?

Além disso, entendo que em uma autoavaliação, os sujeitos envolvidos (coordenadores, colegiados, professores e técnicos) devem ter a ciência de que a análise crítica do nosso principal “cliente”, corpo discente, poderá, em muitos casos, gerar desconforto. Mas, é importante saber que isso faz parte do processo. Afinal, o empoderamento discente não deve ser somente respeitado, mas também estimulado. Não é fácil conhecer exatamente o que o outro acha do nosso trabalho, embora possa ser altamente enriquecedor!

Igualmente, considero importante ressaltar que a avaliação de orientadores é fundamental para entendermos a trajetória de um programa de Pós-graduação e isso não pode estar limitado somente ao nosso olhar sobre os egressos, mas também sobre o olhar deles a respeito do nosso Programa e de nós, orientadores. Assim sendo, já é um bom começo se conseguirmos verificar: Quais são as ações dos nossos Programas que buscam conhecer saber mais sobre isso?

 

Por último, me pergunto: o meu Programa está fazendo uma autoavaliação profunda?

Caro leitor, para responder essa pergunta, eu levanto outra questão: Quais mudanças ocorreram realmente no meu Programa que foram resultantes do processo de autoavaliação? Particularmente, considero que conhecer estes dados, não é apenas abrir portas para a discussão do movimento, mas, de fato, valorizá-lo.

Como exposto ao longo deste post, acredito que a autoavaliação não deve ser para apaziguar a nossa consciência sobre aquilo que fazemos de melhor. Na verdade, eu entendo que o ideal seria que ela focalizasse aquilo que precisamos melhorar ou, até mesmo, nos aspectos que precisamos deixar para romper com antigos hábitos. Considero também que a nossa prática de ensino não deve ser somente sobre aquilo que temos de melhor, mas sobre o que os nossos alunos demandam. Afinal, o nosso Programa existe para eles!

Portanto, reitero que ela [autoavaliação] deve trazer mudanças. Avaliar um Programa, em razão das suas transformações e seus efeitos sobre os nossos alunos já é um bom começo. E, se por ventura, essas não existirem, provavelmente, falhamos na nossa análise crítica sobre aquilo que fazemos!

Outro aspecto importante ainda é avaliar: Será que os nossos critérios de credenciamento respondem às demandas de nossos estudantes? Embora essa pergunta deva-nos acompanhar sempre, quando definimos o nosso corpo docente, é preciso saber, nitidamente, em quais momentos ela faz parte de nossas decisões.

Por último, para retratar a importância de nossos estudantes nessa missão, convido vocês a lerem o livro: “The Rise of Univerisities”, de Charles Homer Haskins. Na oportunidade, aproveito para destacar uma passagem que relata a experiência da Universidade de Bolonha, a mais antiga, em 1088:

“Os estudantes de Bolonha inicialmente organizaram a universidade como uma forma de proteção contra a população urbana; já que os preços, dos quartos e das mercadorias indispensáveis, aumentaram com a multidão de inquilinos e consumidores. Unidos, os estudantes podiam impor as suas condições à cidade, valendo-se da ameaça de abandoná-la juntos. Isso era possível porque as universidades não tinham edifícios próprios e, portanto, eram livres para partir. Há, inclusive, exemplos históricos desse tipo de migração. Vitoriosos sobre os habitantes das cidades, os estudantes viraram-se contra os seus outros inimigos, os professores. Os professores eram obrigados a viver de acordo com um minucioso conjunto de regulamentos que asseguravam o valor do dinheiro pago por cada estudante. Se um professor não conseguisse uma audiência de cinco alunos para uma preleção regular, ele era multado como se estive ausente – certamente seria uma aula muito inferior a que não conseguisse cinco ouvintes!”

Bolonha era, portanto, uma universidade de estudantes e criamos, com o tempo, a academia que acabou com tudo isso.

Diante disso, devemos aprender com a história e compreender que a nossa origem não está nos prédios, mas em quem os ocupa!

 

Conclusão

Assim, encerro esta breve reflexão, dizendo que a autoavaliação nos aproxima da nossa missão mais importante: contribuir para a formação de jovens lideranças e que não devem ser espelhos de nós mesmos!

 

Leitura complementar:

1- Haskins CH. The Rise of Universities. Cornell University Press, 1957.

 

 

Consultoria Online

Conheça nossos cursos

blank

Melanócitos na mucosa oral? Por que eles estão ali?

Os melanócitos são células responsáveis pela produção de melanina e têm a função principal de absorver a radiação ultravioleta gerada pela exposição solar. Embora sejam encontradas comumente na pele, essas células estão também presentes nas mucosas: oral, nasal, faríngea, laríngea e esofágica superior. Esse achado nos leva a pensar na seguinte questão: se não há exposição direta à radiação solar nesses locais, o que os melanócitos estão fazendo na mucosa oral? Nesse post, aprofundaremos mais sobre esse assunto.

Boa parte do que sabemos sobre a função de melanócitos vem de fontes de estudos da sua ocorrência em pele. Sabemos que os melanócitos de boca são metabolicamente menos ativos do que os de pele. Por outro lado, sob a ação de fatores hormonais, inflamação ou trauma, eles podem se tornar mais ativos. Os melanócitos estão aderidos aos queratinócitos, por meio de junções celulares, envolvendo as moléculas caderinas-E. Como, geralmente, essa molécula de adesão celular (caderina-E) suprime a proliferação de melanócitos, quando há mudança na sua expressão para o tipo caderina-N, induzida por eventos traumáticos no microambiente, ocorre a proliferação de melanócitos. Esse mecanismo explica, por exemplo, a presença aumentada de melanócitos em todas as camadas celulares no melanoacantoma, lesão pigmentada que pode ser induzida por trauma.

 

Como identificar um melanócito na microscopia?

Nosso treinamento em Patologia é fazer o diagnóstico de doenças. Entretanto, reconhecer o melanócito em uma situação normal é importante para interpretarmos modificações quanto ao seu número, alterações morfológicas celulares ou quanto à sua distribuição no epitélio.  Os melanócitos estão geralmente localizados na camada basal e apresentam citoplasma róseo (ou cinza) que fica “preso” ao redor do núcleo. Além disso, é importante salientar que os espaços vazios, por vezes, com aparência vacuolar, na periferia, são apenas artefatuais e podem apresentar aspecto de “aranha” (Figura 1). A melanina, quando presente em queratinócitos, se acumula sobre o núcleo no lado voltado para a superfície externa da mucosa, formando, assim, um “guarda-chuva” ou “chapéu”.

 

Imagem microscópica de um melanócito na mucosa oral

 

Figura 1- Imagem microscópica mostrando melanócito no revestimento epitelial. Os melanócitos exibem citoplasma róseo ou cinza “preso” ao redor do núcleo (seta vermelha). Na parte mais externa, observamos espaços vazios, artefatuais, por vezes, com aparência vacuolar.

 

queratinócito

 

Figura 2- Queratinócitos contendo melanina. Nos queratinócitos, a melanina se acumula sobre o núcleo no lado voltado para a superfície externa da mucosa, formando, assim, um “guarda-chuva” ou “chapéu”.

 

 

Funções fisiológicas dos melanócitos e da melanina

É importante dizer que a coloração da pele e da mucosa oral, em condições fisiológicas, não é determinada pelo número de melanócitos, mas, principalmente pela sua atividade melanogênica. A melanina é sintetizada em melanossomos e um grupo de enzimas (tirosinases) participa desse processo. O número de melanossomos no interior de melanócitos, o tipo de melanina, bem como a eficiência no processo de sua transferência dessas organelas para as células epiteliais vizinhas desempenham papel importante na coloração da mucosa. Assim sendo, as alterações no número e distribuição de melanócitos, além de mudanças na sua atividade melanogênica, podem levar às modificações na coloração dos tecidos. Em relação ao tipo de melanina, os melanossomos podem conter, ainda, a feomelanina ou a eumelanina, sendo que esse último subtipo confere uma coloração mais escura para os tecidos. Mas, vale lembrar que a função dos melanócitos e da melanina não para por aí!

Outra característica marcante é que, os melanossomos contêm todas as proteínas e enzimas necessárias para a biossíntese de melanina. Na medida em que sofrem maturação, eles são transportados por microtúbulos para a superfície dendrítica dos melanócitos, quando, então, são transferidos para os queratinócitos. Nessas células, a melanina se acumula no núcleo, formando uma capa de proteção do DNA nuclear dos queratinócitos contra as radiações ultravioletas. Com a transferência dos melanossomos para células epiteliais, os melanócitos são capazes de influenciar atividades funcionais nos queratinócitos e, esses, por sua vez, por ação parácrina, podem secretar produtos que regulam a atividade melanocítica.

Além disso, os melanócitos apresentam função importante no nosso sistema imune inato. Eles podem apresentar antígenos através do complexo MHC-II e produzir citocinas que ativam linfócitos CD4+, inibindo, assim, o crescimento microbiano local. Como eles expressam genes que codificam hormônios, como o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), endorfinas, hormônio estimulante de melanócitos (MSH) e melanocortina, entre outros, uma função neuroendócrina também deve ser considerada.

No que diz respeito à melanina, destacamos suas diversas funções fisiológicas. Quando ela é produzida, existe geração de radicais livres que podem provocar danos ao DNA das células. Paradoxalmente, a própria melanina tem a capacidade de neutralizar os radicais livres formados pela microbiota oral. Com isso, ela possui tanto efeitos antioxidantes como propriedades citotóxicas. Por último, ela pode também neutralizar enzimas e produtos tóxicos derivados de bactérias.

Os melanossomos também contribuem para as nossas defesas. Eles contêm enzimas lissossomais que degradam bactérias, quando microrganismos são internalizados por melanócitos. Enquanto alguns produtos intermediários da melanogêsese, como as quinonas e semiquinonas, são tóxicos e mutagênicos, outros, como a L-dopa, inibem a produção de citocinas pró-inflamatórias. De outra parte, na medida que queratinócitos contendo melanina ascendem gradativamente para as camadas superiores do revestimento epitelial, as membranas dos seus melanossomos sofrem degradação e liberam a melanina. Essa “poeira” de melanina, no interior dos queratinócitos, emaranhada com os filamentos de queratina das células descamadas, inativa produtos químicos patogênicos e toxinas microbianas.

Redigindo este texto, recordei-me de quando iniciei os meus estudos na pós-graduação. Naquela época eu pensava nos melanócitos apenas como células produtoras de melanina e que essas, por sua vez, teriam como única função a proteção contra as radiações ultravioletas. Hoje, ainda, não sei o real significado de todos esses mecanismos mencionados dessas células fascinantes para a fisiologia oral. Mas, de uma coisa estou certo, com o passar do tempo, tenho notado que existem muitos segredos, por trás, até mesmo, das células que geralmente pouco enxergamos no exame microscópico.

 

Melanócitos na mucosa oral? Por que eles estão ali?

Por último, caro leitor, lamento dizer que, hoje, tenho mais dúvidas do que respostas, mas, saiba que a sua opinião, neste site, é muito importante, pois pode instigar e inspirar jovens pesquisadores. Afinal de contas, a ciência é um movimento contínuo!

 

Leitura complementar:

1- Buchner A, Merrel PW, Carpenter WM. Relative frequency of solitary melanocytic lesions of the oral mucosa. J Oral Pathol Med 2004;33:550-557.

2- Feller L, Masilana A, Khammissa RAG, Altini M, Jadwat Y, Lemmer J. Melanin: the biophysiology of oral melanocytes and physiological oral pigmentation. Head Face Med 2014:10-8.

3- Ma Y, Xia R, Ma X, Judson-Torres RL, Zeng H. Mucosal Melanoma: Pathological Evolution, Pathway Dependency and Tartet Therapy. Front Oncol 2021;11:702287.

4- Rosebush MS, Briody AN, Cordell KG. Black and brown: Non-neoplastic pigmentation of the oral mucosa. Head Neck Pathol 2019;13:47-55.

 

 

Consultoria Online

blank

Conheça nossos cursos

blank

Poder do hábito: o que isso tem a haver com a Odontologia?

Entender os hábitos, como eles funcionam e são estabelecidos em nossas vidas pode nos ajudar a mudá-los, quando necessário. Esse post não é um review do livro “O Poder do Hábito”, de Charles Duhigg, mas tem a proposta de trazer algumas reflexões nele abordadas, que repercutem em nossas vidas e em nossa prática profissional, incluindo a Odontologia.

Como dizia o escritor Charles Dickens: “o homem é um animal de hábitos”. Quando esses hábitos são estabelecidos, o cérebro para de tomar decisões, incorporando, assim, uma série de rotinas. Isso acontece quando conseguimos, por exemplo, dirigir um carro, abrir uma porta, amarrar o sapato, ligar o computador e realizar outras tantas tarefas. Se não tivéssemos a habilidade de construir hábitos, o nosso cérebro ficaria sobrecarregado de informações. Quando voltamos de férias, por exemplo, mesmo tendo ficado vários dias sem dirigir, não precisamos usar todas as habilidades cognitivas que temos para reaprender a conduzir um carro. Isso se explica através do hábito, porque já fazíamos isso há algum tempo. Dizemos, portanto, que há uma predisposição natural do cérebro em criar hábitos para poupar energia e economizar esforços.

Neurocientistas descobriram que pacientes com lesões nos gânglios basais cerebrais eram incapazes de reconhecer expressões faciais, como o medo e o nojo. Eles simplesmente não sabiam em qual parte do rosto deveriam focar para compreenderem as expressões. Assim concluímos que: sem os gânglios basais perdemos acesso às centenas de hábitos dos quais dependemos todos os dias. Com isso, não conseguiríamos tomar decisões corriqueiras, como decidir se devemos escovar os dentes antes ou depois do banho. Note que esse é um processo que se torna um hábito, sobre o qual não precisamos mais pensar a respeito dele.

Sabendo disso, chegamos a um dilema: assim como temos hábitos bons, temos também hábitos ruins, sendo incorporados ao nosso dia a dia. O que pode ser visto no padrão de comer fast food, cuja prática começa sendo mensal, se torna semanal, depois, aumenta, para duas (ou mais) vezes por semana. Nessa toada, não pense que a aparência padronizada da lanchonete e dos produtos McDonald’s ou que suas batatas fritas, projetadas para se desintegrarem ao contato imediato com a língua fornecendo sal e gordura, o mais rápido possível, para as nossas papilas gustativas, foram escolhidos ao acaso. Ao contrário, foram feitos estrategicamente, com base em uma série de deixas e recompensas, que estabelece hábitos que passam a governar o nosso comportamento. Mas, como desconhecemos o momento que esses loops de hábitos se surgem em nossas vidas, não sabemos da nossa capacidade para controlá-los.

Pois bem, caro leitor. Diante de tudo isso, eis que surge a questão: o que devemos fazer para substituirmos os hábitos ruins? A resposta envolve a criação de novos hábitos e rotinas diferentes que venham satisfazer os anseios que, outrora, motivaram a formação dos hábitos ruins, mesmo em momentos de grande estresse. Tenha em mente que esse será um trabalho árduo que exigirá grande esforço e, algumas vezes, grande força de vontade.

Duhigg (2012) considera que hábitos angulares são aqueles que desencadeiam uma série de reações no modo com que as pessoas organizam as suas rotinas. Um exemplo clássico disso é: o exercício físico e como a sua prática regular pode deflagrar mudanças em diversas áreas de nossas vidas. Essas mudanças podem implicar em uma alimentação mais balanceada, menor consumo do tabaco ou, até mesmo, abandono do tabagismo, resultando em mais disposição para realizar outras tarefas. Com efeito, podemos compreender, ainda, como a prática de exercício físico pode influenciar a saúde bucal ou o desempenho escolar dos nossos alunos. Nesse sentido, importa saber: quais hábitos angulares podem ser despertados em nossos pacientes ou alunos?

É interessante sabermos que a força de vontade pode também se tornar um hábito que despertará maior capacidade de enfrentamento de adversidades. Mas, como usar isso em prol da educação formativa, quando estamos ensinando nossos alunos na Odontologia? Esse tema é demasiadamente amplo e voltaremos, futuramente, a falar mais sobre ele. Fiquemos, por hora, com alguns trabalhos experimentais que mostram que os estudantes quando tratados com gentileza e respeito, desenvolvem maior força de vontade para enfrentar obstáculos, diante de uma situação desconhecida, como na prática clínica, por exemplo. O mesmo se aplica para todas as nossas relações interpessoais. Creio que, nós, profissionais de Odontologia e/ou professores, deveríamos pensar mais sobre tudo isso!

Vale destacar que mudanças de hábitos angulares podem desencadear novas práticas em grandes corporações empresariais ou, ainda, despertar movimentos sociais. Para aqueles que queiram entender melhor a questão, o autor apresenta outros exemplos interessantes, como o caso do supermercado Target, nos EUA, que parece adivinhar o que você deseja, antes mesmo que você saiba disso!

Por último, aproveitando o tema, sugerimos que você incorpore a leitura na sua rotina. Basta começar e você, logo, perceberá que esse “hábito angular” pode trazer uma série de mudanças para a sua vida!

 

Leitura Complementar:

1- Dughigg C. O Poder do Hábito. Por que fazemos o que fazemos na vida e nos negócios.  Schwarcz: Rio de Janeiro, 2012, 1 ed.

 

* Charles Duhigg fez parte da equipe de repórteres do New York Times e foi vencedor do Prêmio Pulitzer de 2013.

 

 

Consultoria Online

blank

Conheça nossos cursos

blank

Equilíbrio de Nash: da Teoria dos Jogos para o Herpes Simples

Para entender como o Equilíbrio de Nash, um conceito bastante conhecido na área econômica, pode ajudar a explicar melhor a doença do Herpes Simples,  precisamos, a priori, conhecer o seu significado.

Equilíbrio de Nash é a situação em um jogo, quando há dois ou mais jogadores, em que nenhum dos participantes tem a ganhar caso mudem sua estratégia unilateralmente. Ou seja, trata-se de um sistema em que a competição é geralmente estável. Na Economia, por exemplo, muitas situações são explicadas através desse conceito, embora, ele não seja tão comum para nós familiarizados com assuntos da área biológica. Por isso, a seguir, apresentarei um exemplo específico para melhor contextualização.

Para nossa análise, consideremos o mercado internacional do petróleo, que envolve importantes atores, dentre os quais estão os países produtores (como Arábia Saudita, Iraque, etc.) e os grandes consumidores do produto (os países desenvolvidos).

Em seu livro, a Teoria dos Jogos, Ronaldo Fiani cita o artigo “An Economic Analysis of Aspects of Petroleum and Military Security in the Persian Gulf,” de  Duane Chapman e Neha Khanna, publicado em 2001, demonstrando como o Equilíbrio de Nash acontece no cenário econômico. De acordo com Fiani, Chapman e Khanna expõe o universo do mercado petroleiro, mostrando que, naquela época, havia um ambiente competitivo, no qual o barril de petróleo custava, em média, US$ 5. Como o mercado era monopolizado, o preço poderia variar e chegar a custar em torno de US$ 30. Mas, contrariando as expectativas, por um longo período, o preço se manteve intermediário, oscilando entre esses dois valores. A explicação mais plausível para esse feito está no Equilíbrio de Nash. Nesse contexto, o preço do barril ficando na faixa intermediária, entre US$ 15 a US$ 20, no período de 1986 a 1999, era a melhor resposta estratégica para manter as relações de comerciais entre os países que eram os maiores produtores e os maiores consumidores do produto. Para os países consumidores (desenvolvidos), o preço sendo mantido nessa faixa era suficiente, pois evitava que a produção nos Estados Unidos e no Mar do Norte fosse abandonada, em razão do seu alto custo. De igual modo, o preço não era tão elevado a ponto de gerar uma inflação indesejada. De outra parte, para os países produtores (do Oriente Médio), o preço intermediário, entre US$ 15 a US$ 20, também era suficiente, já que permitiria manter o financiamento de gastos militares, devido à instabilidade na região; evitando, inclusive, que eles encontrassem resistência dos países consumidores. Com isso, vemos que havia um sistema em equilíbrio, no qual a melhor estratégia é o benefício das partes.

De forma análoga, já podemos pensar como isso poderia explicar também a relação parasita-hospedeiro no Herpes Simples.

A infecção pelo vírus do Herpes Simples (HSV-1) apresenta grande prevalência e patogenicidade para os seres humanos. A doença é dividida nas formas primária, quando há a contaminação pelo vírus, e secundária, nos casos de reativação do vírus (clique aqui e veja mais sobre a doença). Durante a infecção primária, o vírus penetra nas terminações nervosas dos ramos do nervo trigêmeo e alcança o gânglio trigeminal (gânglio de Gasser). Nessa situação, a infecção atinge um estado de latência ou equilíbrio, quando as partículas virais não são identificadas nas secreções, estando apenas presentes no gânglio de Gasser. Nesse caso, o Equilíbrio de Nash entre humanos e o HSV-1 é a melhor situação para ambos, uma vez que o vírus, ao invés de matar o hospedeiro, convive com o mesmo. Nessa simbiose, o vírus tem a chance de contaminar novos indivíduos, durante episódios futuros de reativação, ainda que a multiplicação no hospedeiro seja limitada. E, apesar da impossibilidade do hospedeiro em erradicar o vírus completamente, episódios de complicações mais sérias, como a encefalite, geralmente são evitados.

Indo além, convido você, caro leitor, para ler o excelente artigo publicado por Petti e Lodi (2019), a fim de compreender mais sobre o Equilíbrio de Nash no Herpes Simples.

Por último, concluo dizendo-lhe que: da próxima vez que estiver lendo ou assistindo notícias sobre Economia, lembre-se que muitos fenômenos presentes nesse campo, podem também nos ajudar a entender melhor os eventos biológicos.

A ciência não tem fronteiras!

 

Leitura Complementar:

1- Fiani R. Teoria dos Jogos. São Paulo, 4 ed, 2020.

2- Petti S, Lodi G. The controversial natural history of oral herpes simplex virus type 1 infection. Oral Dis 2019;25:1850-1865.

 

 

Consultoria Online

blank

Conheça nossos cursos

blank

 

A importância do processamento laboratorial na análise de uma biópsia excisional

Biópsia excisional ou incisional?

Na Estomatologia, a escolha do tipo de biópsia é sempre um tema importante que fomenta muitos debates. Nesse post, eu não enfocarei as indicações de cada tipo de biópsia, mas destaco, em termos gerais, os dois tipos principais:  biópsia incisional (remoção parcial) e a biópsia excisional (remoção completa). Tradicionalmente, a primeira é indicada para lesões benignas extensas ou com suspeita de malignidade; enquanto, a segunda é indicada para lesões benignas de pequena dimensão. Nos casos de biópsia incisional, conforme o diagnóstico histopatológico da lesão (seja ela benigna ou maligna), o tratamento poderá ser modificado, podendo ser (ou não) cirúrgico.

 

Por que fazer biópsia excisional em casos de leucoplasia oral?

Em termos gerais, a recomendação é para que se faça a biópsia excisional para os casos de leucoplasia, uma vez que há heterogeneidade clínica, microscópica e molecular dessa condição. A leucoplasia é uma condição cancerizável, cujo processo de transformação da doença não ocorre de forma homogênea. Embora áreas eritematosas, encontradas na leucoplasia não homogênea, são mais preocupantes em relação à malignização, essa transformação também pode ocorrer em áreas brancas ou em lesões homogêneas. Diversos estudos mostram que, em alguns casos, em cortes seriados de biópsias de leucoplasia é possível encontrar secções que modificam o diagnóstico da doença para carcinoma de células escamosas. Em parte, isso ocorre em razão da heterogeneidade molecular, cuja visualização parcial da lesão pode resultar em diagnóstico impreciso. Em outros termos, podemos dizer que, é como se olhássemos a fotografia de uma casa e tivéssemos que adivinhar a cidade que ela está situada. A menos que a casa apresente peculiaridades arquitetônicas de uma determinada região, a probabilidade de nos equivocarmos será enorme.

Voltando à leucoplasia, a biópsia incisional serve, portanto, para indicar se a área removida apresenta (ou não) alguma transformação maligna. Contudo, é importante destacar que a análise de apenas uma parte da lesão não pode ser interpretada como representativa de toda doença. Destaco ainda que, diferentemente de outras lesões bucais que podem apresentar heterogeneidade microscópica, nos casos de leucoplasia, essa ocorrência pode resultar na falha no diagnóstico de carcinoma de células escamosas.

 

Importância do processamento histológico na biópsia excisional

Caro leitor, retomo aqui o título deste post; isto é, a importância do processamento laboratorial da biópsia. A biópsia excisional não é determinada apenas pelo procedimento cirúrgico; mas também, pela forma como o exame microscópico é processado, o que poderá comprometer a intenção do clínico em relação à excisão total da lesão. Para exemplificar melhor essa situação, vejamos, a seguir, um caso clínico de leucoplasia. A lesão foi submetida a uma biópsia excisional (Figura 1) e, na figura seguinte, temos a amostra que foi enviada ao laboratório (Figura 2).

Aspecto clínico da leucoplasia oral

Figura 1 – Imagem clínica de leucoplasia oral.

Imagem macroscópica da peça cirúrgica de leucoplasia oral

Figura 2 – Imagem do aspecto macroscópico da lesão após a biópsia excisional.

 

No laboratório, a amostra é seccionada para o processamento microscópico. Nesse estágio, conforme os planos de secção durante a macroscopia da lesão são realizados, é possível ter uma visão mais ampla ou apenas parcial da amostra (Figuras 3A e B). Isso ocorre porque o preparado histológico mostra somente a área em que os cortes foram realizados. Na figura 3A, foram realizadas mais de uma secção ao longo do eixo maior da lesão. Na figura 3B, os cortes para o processamento foram feitos na extremidade da amostra, seguindo o eixo menor do espécime. Com isso, é possível inferir que a área de tecido analisado, nas lâminas histológicas na figura 3B, será menor e menos representativa de toda a lesão. No que se refere à figura 3A, ao realizar os cortes seguindo o eixo maior da amostra, minimizaremos a ocorrência de resultado falso-negativo para o diagnóstico de carcinoma, a partir de biópsias de leucoplasias. De todo modo, vale ressaltar que caso realizemos múltiplas secções, mesmo no menor eixo, esse efeito poderá ser minimizado. Portanto, é importante que o procedimento microscópico compreenda a maior área possível, incluindo áreas heterogêneas (clinicamente verrucosas ou vermelhas, por exemplo).

Exame macroscópico da peça cirúrgica de leucoplasia oral

Figura 3 – Imagem macroscópica da lesão com as linhas que representam o sentido da secção da amostra durante a macroscopia para o processamento histopatológico. Na figura A foram realizados dois cortes seguindo o longo eixo da amostra, enquanto na B esses seguiram o menor eixo. Como pode ser observado, a área total que será analisada a partir das secções na imagem B será menor do que na A.

 

Levando-se em consideração os aspectos apresentados nesse post, mostramos como uma biópsia excisional não é determinada apenas pelo procedimento cirúrgico, mas também pela forma como o processamento histológico é realizado. Concluo, portanto, alertando que técnicos especializados e patologistas devem sempre se atentar para esta questão!

 

 

 

Consultoria Online

blank

Conheça nossos cursos

blank

 

Um bom currículo acadêmico é aquele que tem mais publicações de artigos científicos?

O meu primeiro artigo científico foi publicado, em 1994, no periódico Journal of Periodontal Research, como resultado do meu trabalho de dissertação de mestrado. Curiosamente, essa foi a minha primeira submissão acadêmica, cujo texto recebeu severas críticas quanto à forma e estruturação. Depois de algumas revisões, ele finalmente foi aceito, o que foi motivo de grande alegria, para mim. Contudo, quando recebi as separatas do artigo, já que o conteúdo das revistas não estava disponível online, percebi que havia um erro grosseiro na tabela 3 (ver figura 1). Foi um erro de formatação que deixou os valores do desvio padrão até 50 vezes maior do que a média. Essa mesma tabela foi um dos poucos pontos elogiados pelo editor, no primeiro parecer, mas na versão final do artigo, esse erro ficou para posteridade.

Diante dessa experiência, parecia o fim da minha carreira acadêmica, mas, era apenas o começo. Superado esse primeiro percalço, segui a minha jornada acadêmica em busca de novos desafios. E, hoje, estamos aqui, refletindo sobre essas questões, após publicar algumas centenas de artigos. Confesso que achei relevante aproveitar esse espaço para escrever uma mensagem sobre a construção de um currículo e artigos publicados.

Considere também que, no período descrito acima, a produção científica brasileira, na área de Odontologia, estava começando a ganhar espaço na literatura internacional. Conseguir uma bolsa de pesquisador do CNPq era algo difícil, mas não requeria grande número de publicações internacionais, como ocorre atualmente. A submissão de um artigo era feita pelos Correios, o que limitava bastante o prazo para respostas, correções ou envio para outra revista, caso o trabalho fosse rejeitado. Diferentemente de hoje, cujas submissões são, em sua maioria, virtuais.

Com o desenvolvimento da Pós-Graduação e os investimentos em pesquisa, não é fato novo que, houve aumento expressivo na produção científica qualificada, nos últimos 20 anos. De igual modo, precisamos considerar que a publicação de artigos, nos principais periódicos da área de Odontologia, tornou-se fato corriqueiro em diversas universidades brasileiras. Se por um lado, a chegada de novas abordagens de pesquisa, intercâmbios científicos e projetos em colaboração trouxe visibilidade para nossos pesquisadores. Por outro lado, essa evolução trouxe também novos desafios, sendo alguns citados abaixo.

Nesse contexto, é possível dizer que um bom currículo acadêmico é aquele que tem mais publicações de artigos científicos?

A minha resposta para essa pergunta está nas entrelinhas desse texto! Para tanto, compartilho a seguir mais algumas argumentações que julgo relevantes.

Primeiro, parte-se da relação orientador-orientando; considerando a premissa que professores precisam de alunos e esses, por sua vez, precisam de seus orientadores.  Considera-se que um dos objetivos dessa parceria (aluno/orientador) é gerar artigos científicos em revistas renomadas. Entretanto, existem outros produtos que são ignorados; como a qualidade da formação discente, que resulta da dedicação de ambos. Mesmo que, esse último aspecto não apareça nas plataformas de currículo, ele pode ser sutilmente percebido, quando se analisa a trajetória do discente. Percebendo isso, compreendemos que ter uma extensa lista de orientados no Currículo Lattes não é tudo em nosso trabalho. Isso vale tanto para os seniores como para os iniciantes. Em outras palavras, o discente não deve ser um atalho para que alcancemos reconhecimento, mas a revelação do trabalho de um professor orientador.

No que se refere ao argumento sobre ser autoridade no assunto, ser coautor de diversos artigos científicos pode ajudar a alcançar reconhecimento em certa área, mas, nem sempre, isso é simples de ser analisado. Ao participar de bancas de concursos diversos, para professor ou na pós-graduação, eu me deparei com situações que o autor desconhecia com profundidade o tema de seu artigo. Observando isso, pude inferir que: saber usar um instrumento, uma técnica ou uma ferramenta, pode até justificar uma coautoria, mas não confere o conhecimento necessário que garanta visão abrangente do tema.

É importante considerar também que, ao longo do tempo, a forma como analisamos currículos mudou. Números sempre existirão. Contudo, como precisamos de professores e pesquisadores inovadores que tenham conduta ética, profissionalismo, ampla visão de mundo e das pessoas, certamente, novos formatos surgirão. Por isso, não se prenda ao que é feito hoje porque você pode ficar solitário no futuro. Invista em sua formação com o mesmo esmero que se dedica às coisas que serão expostas nas plataformas de currículo. A sua formação será (sempre) o seu maior legado!

Por fim, como um assíduo leitor de artigos, orientador na pós-graduação, Pró-Reitor de Pós-Graduação da UFMG (2010-2014) e autor de diversos artigos, não estou, aqui, desqualificando produção científica como ferramenta de avaliação. Quero reiterar, caro leitor, que eu apenas apresentei alguns argumentos que mostram como as plataformas de currículos revelam um lado importante da história de um profissional. Mas, para aqueles que querem ser protagonistas, na ciência e na formação de pessoas, que, fique claro, é preciso ir, além disso. Afinal, existem vários caminhos para se construir uma história promissora. Seja qual for sua trajetória, jamais se esqueça de desenvolver visão crítica e profundo conhecimento sobre o seu trabalho!

 

blank

Figura 1- Tabela 3 da minha primeira publicação. Notar o desvio padrão no total CL (até 50 vezes maior do que a média!).

 

 

Consultoria Online

blank

Conheça nossos cursos

blank

 

Mente classificatória: como isso pode pode influenciar no diagnóstico de doenças?

Nesse post, continuarei com o formidável livro “Subliminar – Como o inconsciente influencia em nossas vidas”, de Leonard Mlodinow. Afinal, como disse Stephen Hawking, “Mlodinow é sempre feliz em seu esforço de tornar a ciência acessível e divertida”. Em uma passagem do livro, o autor aborda a capacidade e a importância da mente humana de analisar imagens como categorias. Nesse post irei abordar sobre a mente classificatória e como isso pode influenciar as nossas decisões no diagnóstico de doenças.

Imagine se tivéssemos que registrar cada imagem como única. Com certeza, não teríamos capacidade mental para guardar tanta informação. Mas, graças ao pensamento classificatório, quando enxergamos uma criatura grande, felpuda, com caninos avantajados, ou, ainda, se deparamos com um motorista ziguezagueando na pista, rapidamente, decidimos nos manter distantes. De outra parte, quando vemos um objeto de quatro pés, logo, pensamos que se trata de uma cadeira. Isso é fantástico! Com impressionante rapidez, percebemos a diferença entre um urso, um motorista perigoso e uma cadeira. Além disso, essa habilidade de categorizar imediatamente o que visualizamos, permite distinguir uma maçã e uma bola de bilhar vermelha. Para fazer isso, tomamos como referência algumas características do objeto, criando, assim, atalhos, que estimulam a tomada de decisão rápida.

Mas, vale lembrar que nem tudo é perfeito e, por isso, estamos sujeitos a erros! Para isso, Mlodinow 1 cita um interessante exemplo. Se pedirmos a um grupo de voluntários para estimar a diferença de temperatura em determinado mês (entre 1 de junho a 30 de junho), eles tendem a subestimar os dados. Mas, se mudarmos os dias analisados (entre 15 de junho a 15 de julho), eles superestimam as informações. Notadamente, o agrupamento em meses distintos (junho e julho, no segundo exemplo), distorce nossa percepção, embora, seja mantido, o intervalo de tempo (30 dias). Ou seja, a categorização em meses tem suas desvantagens.

Então, caro leitor, você deve estar se perguntando: onde quero chegar com essa análise, não é mesmo? Pois bem, eu explico! Quando realizamos o diagnóstico de doenças, seja na Patologia ou na Estomatologia, fazemos o mesmo. A maneira automática que categorizamos algo, pode significar atalhos, mas também incorrer em erros. Vejamos um exemplo prático.

Mesmo para um experiente estomatologista, o exame clínico de um paciente fumante, com uma lesão leucoplásica, levanta, imediatamente, a possibilidade de risco para o desenvolvimento do carcinoma de células escamosas. Com isso, surge a preocupação em realizar uma biópsia, o que é plenamente justificável, pela presença de fatores de risco (lesão cancerizável e uso de fumo). No entanto, às vezes, não temos a mesma preocupação, se, porventura, o exame clínico indicar lesão única em mulher não fumante. Isso ocorre porque, por um instante, nossa mente tende a categorizar fumante como o grupo de maior risco para o câncer; esquecendo-se que lesões leucoplásicas em mulheres não fumantes, embora menos frequentes, têm maior risco de malignização.

Como podemos aproveitar melhor a mente classificatória? Como professor, clínico e patologista, notei que tenho melhor desenvoltura quando consigo classificar uma mesma lesão de diferentes formas (cor, localização, natureza (benigno ou maligno), fatores de risco, aspecto radiográfico, fator etiológico, tratamento, prognóstico, evolução, etc.). Ao estudar diferentes aspectos de um processo patológico, estamos, simultaneamente, ampliando as possibilidades classificatórias. Por isso, quando realizar o exame clínico, não compartimentalize aquilo que é visto de forma singular!

O pensamento classificatório nos leva a enquadrar cada paciente conforme a doença. “Aquele com ameloblastoma unicístico agressivo” ou “outro que é transplantado e tem leucoplasia pilosa” são expressões comuns que utilizamos para referir aos nossos pacientes. Embora esse enquadramento ajude a lembrar o motivo que levou o paciente a nos procurar, ele nos distancia, muitas vezes, de rever o diagnóstico. Algo imprescindível, em alguns casos.

Assim, embora a classificação baseada em estereótipos configure avanços para a nossa mente, é essencial reconhecer as situações, cujos atalhos podem resultar em erros e preconceitos. Explorar as habilidades cognitivas, ainda, é o nosso maior desafio!

Por fim, conhecer a ciência, que há por detrás, da mente classificatória, facilita reconhecer e respeitar as especificidades das pessoas!

 

Leitura Complementar:

1- Mlodinow, L. Subliminar – Como o inconsciente influencia nossas vidas. Rio de Janeiro, 1ed, 2013.

 

 

Consultoria Online

blank

Conheça nossos cursos

blank

 

 

 

Lapsos da memória no diagnóstico: uma nova armadilha da mente.

Certo dia, fui impactado por uma palestra de um renomado palestrante internacional sobre doenças bucais. Autor de diversos artigos científicos, publicados em revistas importantes, me impressionou a riqueza de detalhes com que ele explanava sobre pacientes acometidos por um tipo de enfermidade rara. Algum tempo depois, tive a oportunidade de assistir a outra apresentação dele. De igual modo, com impressionante riqueza de informações, ele descreveu a mesma doença, mas, agora, citava características diferentes. Se a minha memória não falhou, posso dizer que as diferenças essenciais, entre as palestras, esbarravam em fatores predisponentes para o surgimento do processo patológico. Notei que os elementos relevantes no passado, não foram [se quer] mencionados, na última abordagem. Não posso negar que fiquei desapontado com o ocorrido, mas não dei grande importância. No entanto, recentemente, como tenho me interessando bastante sobre as questões relacionadas ao comportamento da mente e a sua influência na tomada de decisões nos diagnósticos de doenças, encontrei uma possível explicação para o caso, lendo o livro “Subliminar – Como o inconsciente influencia a nossas vidas,” de Leonard Mlodinow.

A título de ilustração, tomemos como exemplo um fato bastante conhecido e que também é mencionado no livro de Mlodinow. Certa vez, durante um evento científico, um palhaço entrou correndo, discutindo com um homem que portava uma arma. Os dois discutiram, entraram em confronto corporal e a arma disparou. Em seguida, eles se retiraram do local. Tudo ocorreu brevemente, em menos de 20 segundos.

Mas, como pessoas vestidas de palhaços é algo incomum em congressos científicos, a plateia logo percebeu que se tratava de uma representação. Em seguida, realizaram um interrogatório como parte de uma pesquisa.

De forma surpreendente, os relatos indicaram erros grosseiros sobre o traje dos atores envolvidos na encenação. Embora o homem armado não estivesse usando chapéu, diversos depoentes afirmaram terem visto esse objeto. Esse e tantos outros exemplos mostram o quão falível pode ser a nossa memória. De modo geral, a mente humana é incapaz de reter grande quantidade de detalhes com que nos deparamos diariamente. Influenciado por nossas expectativas, valores e conhecimentos prévios, o nosso cérebro preenche essas lacunas.

Em outras palavras, podemos dizer que conseguimos lembrar dos aspectos principais de um evento, mas não recordamos dos detalhes. Com isso, somos levados a criar situações que preencham, involuntariamente, as lacunas da memória. Julgamentos à parte, fato é que todas as pessoas fazem isso, até mesmo às pessoas mais bem intencionadas! O mais incrível não é essa prática, mas o resultado que dela advém; já que passamos a acreditar nas lembranças que criamos. Diante disso, uma pergunta norteia a nossa reflexão: será que não faríamos a mesma coisa quando descrevemos uma série de casos sobre a nossa experiência em relação a alguma doença?

Percebo, então, que devo ser mais cauteloso na minha próxima aula e menos exigente quando assistir a uma palestra. Afinal, quantas vezes apresentei detalhes de casos raros e fui traído por essa armadilha?

Portanto, reconhecer que a nossa consciência é limitada, não sendo capaz de captar todas as informações já é dar um importante passo. Pensando, assim, sobre esses lapsos de memória, podemos compreender como as histórias mudam com o passar das gerações. Nesse caso, acho melhor eu parar por aqui, antes que os meus próximos alunos comecem a duvidar que eu tenha sido um bom jogador de futebol na escola. Tenho muitas testemunhas, inclusive algumas que não me viram jogar. Deixemos que a lenda sobreviva ao tempo!

 

Leitura Complementar:

1- Mlodinow, L. Subliminar – Como o inconsciente influencia nossas vidas. Rio de Janeiro, 1ed, 2013.

 

 

Consultoria Online

blank

Conheça nossos cursos

blank

 

O efeito halo e o efeito manada: como evitá-los nas ciências do diagnóstico?

O efeito halo é dos equívocos mais comuns no comportamento humano. Criado por Edward Thorndike, psicólogo norte-americano, ele é usado para explicar como os seres humanos têm a tendência de tirar conclusões, tomando como referência um único elemento. De modo geral, o efeito halo interfere na forma como fazemos julgamentos (de pessoas, objetos ou produtos), quando escolhemos um aspecto em detrimento de outros, podendo contaminar a análise final.  Apenas para ilustrar, quando alguém é selecionado para realizar uma tarefa, qualquer característica (física ou comportamental) desse indivíduo pode levar os avaliadores a fazerem inferências a seu respeito. Muitas vezes, esquecemos que avaliar somente uma habilidade, não indica, necessariamente, que uma pessoa está apta para realizar tal tarefa. Na perspectiva de Daniel Kahneman, o efeito halo prejudica reuniões e debates, porque quem fala primeiro influencia os demais. Como consequência dele, surge o efeito manada. Este ocorre quando nossos instintos nos levam a agir de forma coletiva, repetindo ações e decisões de um grupo. Essa tendência comportamental pode ser vista, em muitos setores, especialmente, no mercado de ações.

Mas, voltemos para a nosso campo de atuação, para refletirmos sobre a influência dos efeitos halo e manada em nossas decisões diagnósticas. Agora, imagine um grupo de especialistas analisando um interessante caso de histopatologia ou clínico. Como “a primeira impressão é a que fica”, quando uma característica marcante é observada na microscopia (ou no quadro clínico) da doença, ela tende a estimular o nosso cérebro a chegar à conclusões precipitadas. Isso ocorre porque começamos a buscar outros dados que sustentem a hipótese levantada. Assim, quando o primeiro especialista emite juízo sobre o caso, a tendência é que os demais sejam influenciados, em especial, se quem fala primeiro for autoridade no assunto. Com isso, se não tivermos cautela em buscar outras evidências que refutem a primeira hipótese, corremos o risco, assim, de forma consensual, de chegar a um diagnóstico precipitado, resultante do efeito manada. Esse pode ser verdadeiro ou apenas um equívoco coletivo!

Como evitar os efeitos halo e manada na prática de diagnósticos?

Em tese, a tarefa mais difícil é manter a mente aberta e ponderar as diferentes possibilidades.  Além disso, devemos lembrar que a primeira opinião emitida pode [sim] criar atalhos para acertos ou erros de um grupo. Isso ocorre porque temos medo do isolamento ou a necessidade de adequar o nosso comportamento e opinião às ações do grupo, o que, naturalmente, enfraquece o ímpeto de emitirmos julgamentos próprios.

Particularmente, não é difícil, discorrer sobre esses efeitos, já que que eles também me acompanham. Para os meus alunos, deixo as seguintes sugestões: estudem muito, não percam a habilidade de ouvir as pessoas e mantenham o olhar sensível para perceber todas as variáveis!

 

Observação: A foto utilizada para a apresentação desse post é um exemplo do efeito halo (o diagnóstico correto foi angiossarcoma). Eu induzi meus colegas a um erro!

 

Leitura Complementar:

1- Kahneman D. Rápido e devagar – Duas formas de pensar. 1 ed., 2012.

2- Hararia YN. Sapiens – Uma breve história da humanidade. 1 ed. , 2015.

 

 

Consultoria Online

blank

Conheça nossos cursos

blank

 

 

O viés da disponibilidade no diagnóstico bucal e na vida!

No livro, “Rápido e Devagar: duas formas de pensar,” do ganhador do Prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman, encontramos um exemplo interessante sobre a heurística da disponibilidade. Reunido com um grupo de pessoas, o autor levantou a seguinte hipótese: se uma palavra aleatória fosse retirada da língua inglesa, seria mais provável que “K” fosse a primeira ou a terceira letra dessa palavra? Curiosamente, o resultado mostrou que as pessoas que falam inglês são capazes de se lembrar mais do primeiro caso (de palavras que iniciam com “k” [kitchen, keep, etc.]) do que o segundo (palavras como ask, Peking, etc.), já que a maioria das respostas foi à primeira alternativa, mostrando que os participantes superestimaram o número de palavras que começam com “k” e subestimaram aquelas em que “k” aparecia como terceira letra. De acordo com o autor, isso ocorre porque tradicionalmente respondemos as situações usando aquilo que está disponível em nossa mente, embora em um texto típico, a tendência é encontrar mais palavras com “K” na terceira posição.

Voltando ao Diagnóstico Bucal, a heurística da disponibilidade também está presente em nossa tomada de decisões diárias. De maneira interessante, casos incomuns do cotidiano ficam registrados em nossa mente e geralmente são utilizados para inferir sua frequência, deixando de lado o número real de todas as situações vivenciadas.

Tomemos o líquen plano como um exemplo prático em nossa análise. Quando acompanhamos um grupo de pacientes acometidos por essa lesão, observamos que os casos em que há transformação maligna tendem a ser mais registrados do que os outros. O que mostra que somos propensos a superestimar a malignização nessas lesões. Com isso, não quero dizer que o líquen plano não seja uma doença cancerizável; existem casos bens documentados na literatura mostrando isso. Mas, o exemplo citado evidencia que a nossa capacidade de avaliar o risco tende a ser contaminada pelo viés da disponibilidade.

É interessante observar que, o viés da disponibilidade pode ser identificado em situações pedagógicas nas universidades. Quando estudantes participam de uma aula sobre doenças infecciosas, por exemplo, vários aspectos sobre esses processos patológicos, tais como sinais e sintomas, são apresentados. Notamos que, se o enfoque da aula for à exposição de casos raros, bem como os sintomas marcantes da doença, como a dor aguda na gengivite necrosante aguda (GUN), havendo, posteriormente, atividade clínica, vamos nos deparar com alguns comportamentos curiosos. Se o primeiro paciente atendido relatar dor, a hipótese de GUN será, provavelmente, considerada como a principal, embora seja mais rara do que a afta comum. Portanto, como professores, devemos estar atentos à heurística da disponibilidade em nossa prática pedagógica. É incrível observar que existem tão poucos textos sobre esse assunto em nossa área.

De forma geral, o viés da disponibilidade está presente na saúde, na economia, nos negócios, no sistema judiciário, na educação, na mídia, etc. Sua marcante e rotineira presença pode influenciar o nosso comportamento. Reconhecê-lo é essencial para que você não se torne uma vítima, dessa armadilha que contamina as nossas tomadas de decisões diárias!

Compartilhe a sua opinião e continue acessando o nosso blog e site!

 

 

 

Consultoria Online

blank

Conheça nossos cursos

blank