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Um bom currículo acadêmico é aquele que tem mais publicações de artigos científicos?

O meu primeiro artigo científico foi publicado, em 1994, no periódico Journal of Periodontal Research, como resultado do meu trabalho de dissertação de mestrado. Curiosamente, essa foi a minha primeira submissão acadêmica, cujo texto recebeu severas críticas quanto à forma e estruturação. Depois de algumas revisões, ele finalmente foi aceito, o que foi motivo de grande alegria, para mim. Contudo, quando recebi as separatas do artigo, já que o conteúdo das revistas não estava disponível online, percebi que havia um erro grosseiro na tabela 3 (ver figura 1). Foi um erro de formatação que deixou os valores do desvio padrão até 50 vezes maior do que a média. Essa mesma tabela foi um dos poucos pontos elogiados pelo editor, no primeiro parecer, mas na versão final do artigo, esse erro ficou para posteridade.

Diante dessa experiência, parecia o fim da minha carreira acadêmica, mas, era apenas o começo. Superado esse primeiro percalço, segui a minha jornada acadêmica em busca de novos desafios. E, hoje, estamos aqui, refletindo sobre essas questões, após publicar algumas centenas de artigos. Confesso que achei relevante aproveitar esse espaço para escrever uma mensagem sobre a construção de um currículo e artigos publicados.

Considere também que, no período descrito acima, a produção científica brasileira, na área de Odontologia, estava começando a ganhar espaço na literatura internacional. Conseguir uma bolsa de pesquisador do CNPq era algo difícil, mas não requeria grande número de publicações internacionais, como ocorre atualmente. A submissão de um artigo era feita pelos Correios, o que limitava bastante o prazo para respostas, correções ou envio para outra revista, caso o trabalho fosse rejeitado. Diferentemente de hoje, cujas submissões são, em sua maioria, virtuais.

Com o desenvolvimento da Pós-Graduação e os investimentos em pesquisa, não é fato novo que, houve aumento expressivo na produção científica qualificada, nos últimos 20 anos. De igual modo, precisamos considerar que a publicação de artigos, nos principais periódicos da área de Odontologia, tornou-se fato corriqueiro em diversas universidades brasileiras. Se por um lado, a chegada de novas abordagens de pesquisa, intercâmbios científicos e projetos em colaboração trouxe visibilidade para nossos pesquisadores. Por outro lado, essa evolução trouxe também novos desafios, sendo alguns citados abaixo.

Nesse contexto, é possível dizer que um bom currículo acadêmico é aquele que tem mais publicações de artigos científicos?

A minha resposta para essa pergunta está nas entrelinhas desse texto! Para tanto, compartilho a seguir mais algumas argumentações que julgo relevantes.

Primeiro, parte-se da relação orientador-orientando; considerando a premissa que professores precisam de alunos e esses, por sua vez, precisam de seus orientadores.  Considera-se que um dos objetivos dessa parceria (aluno/orientador) é gerar artigos científicos em revistas renomadas. Entretanto, existem outros produtos que são ignorados; como a qualidade da formação discente, que resulta da dedicação de ambos. Mesmo que, esse último aspecto não apareça nas plataformas de currículo, ele pode ser sutilmente percebido, quando se analisa a trajetória do discente. Percebendo isso, compreendemos que ter uma extensa lista de orientados no Currículo Lattes não é tudo em nosso trabalho. Isso vale tanto para os seniores como para os iniciantes. Em outras palavras, o discente não deve ser um atalho para que alcancemos reconhecimento, mas a revelação do trabalho de um professor orientador.

No que se refere ao argumento sobre ser autoridade no assunto, ser coautor de diversos artigos científicos pode ajudar a alcançar reconhecimento em certa área, mas, nem sempre, isso é simples de ser analisado. Ao participar de bancas de concursos diversos, para professor ou na pós-graduação, eu me deparei com situações que o autor desconhecia com profundidade o tema de seu artigo. Observando isso, pude inferir que: saber usar um instrumento, uma técnica ou uma ferramenta, pode até justificar uma coautoria, mas não confere o conhecimento necessário que garanta visão abrangente do tema.

É importante considerar também que, ao longo do tempo, a forma como analisamos currículos mudou. Números sempre existirão. Contudo, como precisamos de professores e pesquisadores inovadores que tenham conduta ética, profissionalismo, ampla visão de mundo e das pessoas, certamente, novos formatos surgirão. Por isso, não se prenda ao que é feito hoje porque você pode ficar solitário no futuro. Invista em sua formação com o mesmo esmero que se dedica às coisas que serão expostas nas plataformas de currículo. A sua formação será (sempre) o seu maior legado!

Por fim, como um assíduo leitor de artigos, orientador na pós-graduação, Pró-Reitor de Pós-Graduação da UFMG (2010-2014) e autor de diversos artigos, não estou, aqui, desqualificando produção científica como ferramenta de avaliação. Quero reiterar, caro leitor, que eu apenas apresentei alguns argumentos que mostram como as plataformas de currículos revelam um lado importante da história de um profissional. Mas, para aqueles que querem ser protagonistas, na ciência e na formação de pessoas, que, fique claro, é preciso ir, além disso. Afinal, existem vários caminhos para se construir uma história promissora. Seja qual for sua trajetória, jamais se esqueça de desenvolver visão crítica e profundo conhecimento sobre o seu trabalho!

 

Figura 1- Tabela 3 da minha primeira publicação. Notar o desvio padrão no total CL (até 50 vezes maior do que a média!).

 

 

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