Mente classificatória: como isso pode pode influenciar no diagnóstico de doenças?
Nesse post, continuarei com o formidável livro “Subliminar – Como o inconsciente influencia em nossas vidas”, de Leonard Mlodinow. Afinal, como disse Stephen Hawking, “Mlodinow é sempre feliz em seu esforço de tornar a ciência acessível e divertida”. Em uma passagem do livro, o autor aborda a capacidade e a importância da mente humana de analisar imagens como categorias. Nesse post irei abordar sobre a mente classificatória e como isso pode influenciar as nossas decisões no diagnóstico de doenças.
Imagine se tivéssemos que registrar cada imagem como única. Com certeza, não teríamos capacidade mental para guardar tanta informação. Mas, graças ao pensamento classificatório, quando enxergamos uma criatura grande, felpuda, com caninos avantajados, ou, ainda, se deparamos com um motorista ziguezagueando na pista, rapidamente, decidimos nos manter distantes. De outra parte, quando vemos um objeto de quatro pés, logo, pensamos que se trata de uma cadeira. Isso é fantástico! Com impressionante rapidez, percebemos a diferença entre um urso, um motorista perigoso e uma cadeira. Além disso, essa habilidade de categorizar imediatamente o que visualizamos, permite distinguir uma maçã e uma bola de bilhar vermelha. Para fazer isso, tomamos como referência algumas características do objeto, criando, assim, atalhos, que estimulam a tomada de decisão rápida.
Mas, vale lembrar que nem tudo é perfeito e, por isso, estamos sujeitos a erros! Para isso, Mlodinow 1 cita um interessante exemplo. Se pedirmos a um grupo de voluntários para estimar a diferença de temperatura em determinado mês (entre 1 de junho a 30 de junho), eles tendem a subestimar os dados. Mas, se mudarmos os dias analisados (entre 15 de junho a 15 de julho), eles superestimam as informações. Notadamente, o agrupamento em meses distintos (junho e julho, no segundo exemplo), distorce nossa percepção, embora, seja mantido, o intervalo de tempo (30 dias). Ou seja, a categorização em meses tem suas desvantagens.
Então, caro leitor, você deve estar se perguntando: onde quero chegar com essa análise, não é mesmo? Pois bem, eu explico! Quando realizamos o diagnóstico de doenças, seja na Patologia ou na Estomatologia, fazemos o mesmo. A maneira automática que categorizamos algo, pode significar atalhos, mas também incorrer em erros. Vejamos um exemplo prático.
Mesmo para um experiente estomatologista, o exame clínico de um paciente fumante, com uma lesão leucoplásica, levanta, imediatamente, a possibilidade de risco para o desenvolvimento do carcinoma de células escamosas. Com isso, surge a preocupação em realizar uma biópsia, o que é plenamente justificável, pela presença de fatores de risco (lesão cancerizável e uso de fumo). No entanto, às vezes, não temos a mesma preocupação, se, porventura, o exame clínico indicar lesão única em mulher não fumante. Isso ocorre porque, por um instante, nossa mente tende a categorizar fumante como o grupo de maior risco para o câncer; esquecendo-se que lesões leucoplásicas em mulheres não fumantes, embora menos frequentes, têm maior risco de malignização.
Como podemos aproveitar melhor a mente classificatória? Como professor, clínico e patologista, notei que tenho melhor desenvoltura quando consigo classificar uma mesma lesão de diferentes formas (cor, localização, natureza (benigno ou maligno), fatores de risco, aspecto radiográfico, fator etiológico, tratamento, prognóstico, evolução, etc.). Ao estudar diferentes aspectos de um processo patológico, estamos, simultaneamente, ampliando as possibilidades classificatórias. Por isso, quando realizar o exame clínico, não compartimentalize aquilo que é visto de forma singular!
O pensamento classificatório nos leva a enquadrar cada paciente conforme a doença. “Aquele com ameloblastoma unicístico agressivo” ou “outro que é transplantado e tem leucoplasia pilosa” são expressões comuns que utilizamos para referir aos nossos pacientes. Embora esse enquadramento ajude a lembrar o motivo que levou o paciente a nos procurar, ele nos distancia, muitas vezes, de rever o diagnóstico. Algo imprescindível, em alguns casos.
Assim, embora a classificação baseada em estereótipos configure avanços para a nossa mente, é essencial reconhecer as situações, cujos atalhos podem resultar em erros e preconceitos. Explorar as habilidades cognitivas, ainda, é o nosso maior desafio!
Por fim, conhecer a ciência, que há por detrás, da mente classificatória, facilita reconhecer e respeitar as especificidades das pessoas!
Leitura Complementar:
1- Mlodinow, L. Subliminar – Como o inconsciente influencia nossas vidas. Rio de Janeiro, 1ed, 2013.
Conheça nossos cursos