Equilíbrio de Nash: da Teoria dos Jogos para o Herpes Simples

Para entender como o Equilíbrio de Nash, um conceito bastante conhecido na área econômica, pode ajudar a explicar melhor a doença do Herpes Simples,  precisamos, a priori, conhecer o seu significado.

Equilíbrio de Nash é a situação em um jogo, quando há dois ou mais jogadores, em que nenhum dos participantes tem a ganhar caso mudem sua estratégia unilateralmente. Ou seja, trata-se de um sistema em que a competição é geralmente estável. Na Economia, por exemplo, muitas situações são explicadas através desse conceito, embora, ele não seja tão comum para nós familiarizados com assuntos da área biológica. Por isso, a seguir, apresentarei um exemplo específico para melhor contextualização.

Para nossa análise, consideremos o mercado internacional do petróleo, que envolve importantes atores, dentre os quais estão os países produtores (como Arábia Saudita, Iraque, etc.) e os grandes consumidores do produto (os países desenvolvidos).

Em seu livro, a Teoria dos Jogos, Ronaldo Fiani cita o artigo “An Economic Analysis of Aspects of Petroleum and Military Security in the Persian Gulf,” de  Duane Chapman e Neha Khanna, publicado em 2001, demonstrando como o Equilíbrio de Nash acontece no cenário econômico. De acordo com Fiani, Chapman e Khanna expõe o universo do mercado petroleiro, mostrando que, naquela época, havia um ambiente competitivo, no qual o barril de petróleo custava, em média, US$ 5. Como o mercado era monopolizado, o preço poderia variar e chegar a custar em torno de US$ 30. Mas, contrariando as expectativas, por um longo período, o preço se manteve intermediário, oscilando entre esses dois valores. A explicação mais plausível para esse feito está no Equilíbrio de Nash. Nesse contexto, o preço do barril ficando na faixa intermediária, entre US$ 15 a US$ 20, no período de 1986 a 1999, era a melhor resposta estratégica para manter as relações de comerciais entre os países que eram os maiores produtores e os maiores consumidores do produto. Para os países consumidores (desenvolvidos), o preço sendo mantido nessa faixa era suficiente, pois evitava que a produção nos Estados Unidos e no Mar do Norte fosse abandonada, em razão do seu alto custo. De igual modo, o preço não era tão elevado a ponto de gerar uma inflação indesejada. De outra parte, para os países produtores (do Oriente Médio), o preço intermediário, entre US$ 15 a US$ 20, também era suficiente, já que permitiria manter o financiamento de gastos militares, devido à instabilidade na região; evitando, inclusive, que eles encontrassem resistência dos países consumidores. Com isso, vemos que havia um sistema em equilíbrio, no qual a melhor estratégia é o benefício das partes.

De forma análoga, já podemos pensar como isso poderia explicar também a relação parasita-hospedeiro no Herpes Simples.

A infecção pelo vírus do Herpes Simples (HSV-1) apresenta grande prevalência e patogenicidade para os seres humanos. A doença é dividida nas formas primária, quando há a contaminação pelo vírus, e secundária, nos casos de reativação do vírus (clique aqui e veja mais sobre a doença). Durante a infecção primária, o vírus penetra nas terminações nervosas dos ramos do nervo trigêmeo e alcança o gânglio trigeminal (gânglio de Gasser). Nessa situação, a infecção atinge um estado de latência ou equilíbrio, quando as partículas virais não são identificadas nas secreções, estando apenas presentes no gânglio de Gasser. Nesse caso, o Equilíbrio de Nash entre humanos e o HSV-1 é a melhor situação para ambos, uma vez que o vírus, ao invés de matar o hospedeiro, convive com o mesmo. Nessa simbiose, o vírus tem a chance de contaminar novos indivíduos, durante episódios futuros de reativação, ainda que a multiplicação no hospedeiro seja limitada. E, apesar da impossibilidade do hospedeiro em erradicar o vírus completamente, episódios de complicações mais sérias, como a encefalite, geralmente são evitados.

Indo além, convido você, caro leitor, para ler o excelente artigo publicado por Petti e Lodi (2019), a fim de compreender mais sobre o Equilíbrio de Nash no Herpes Simples.

Por último, concluo dizendo-lhe que: da próxima vez que estiver lendo ou assistindo notícias sobre Economia, lembre-se que muitos fenômenos presentes nesse campo, podem também nos ajudar a entender melhor os eventos biológicos.

A ciência não tem fronteiras!

 

Leitura Complementar:

1- Fiani R. Teoria dos Jogos. São Paulo, 4 ed, 2020.

2- Petti S, Lodi G. The controversial natural history of oral herpes simplex virus type 1 infection. Oral Dis 2019;25:1850-1865.

 

 

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O viés da disponibilidade no diagnóstico bucal e na vida!

No livro, “Rápido e Devagar: duas formas de pensar,” do ganhador do Prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman, encontramos um exemplo interessante sobre a heurística da disponibilidade. Reunido com um grupo de pessoas, o autor levantou a seguinte hipótese: se uma palavra aleatória fosse retirada da língua inglesa, seria mais provável que “K” fosse a primeira ou a terceira letra dessa palavra? Curiosamente, o resultado mostrou que as pessoas que falam inglês são capazes de se lembrar mais do primeiro caso (de palavras que iniciam com “k” [kitchen, keep, etc.]) do que o segundo (palavras como ask, Peking, etc.), já que a maioria das respostas foi à primeira alternativa, mostrando que os participantes superestimaram o número de palavras que começam com “k” e subestimaram aquelas em que “k” aparecia como terceira letra. De acordo com o autor, isso ocorre porque tradicionalmente respondemos as situações usando aquilo que está disponível em nossa mente, embora em um texto típico, a tendência é encontrar mais palavras com “K” na terceira posição.

Voltando ao Diagnóstico Bucal, a heurística da disponibilidade também está presente em nossa tomada de decisões diárias. De maneira interessante, casos incomuns do cotidiano ficam registrados em nossa mente e geralmente são utilizados para inferir sua frequência, deixando de lado o número real de todas as situações vivenciadas.

Tomemos o líquen plano como um exemplo prático em nossa análise. Quando acompanhamos um grupo de pacientes acometidos por essa lesão, observamos que os casos em que há transformação maligna tendem a ser mais registrados do que os outros. O que mostra que somos propensos a superestimar a malignização nessas lesões. Com isso, não quero dizer que o líquen plano não seja uma doença cancerizável; existem casos bens documentados na literatura mostrando isso. Mas, o exemplo citado evidencia que a nossa capacidade de avaliar o risco tende a ser contaminada pelo viés da disponibilidade.

É interessante observar que, o viés da disponibilidade pode ser identificado em situações pedagógicas nas universidades. Quando estudantes participam de uma aula sobre doenças infecciosas, por exemplo, vários aspectos sobre esses processos patológicos, tais como sinais e sintomas, são apresentados. Notamos que, se o enfoque da aula for à exposição de casos raros, bem como os sintomas marcantes da doença, como a dor aguda na gengivite necrosante aguda (GUN), havendo, posteriormente, atividade clínica, vamos nos deparar com alguns comportamentos curiosos. Se o primeiro paciente atendido relatar dor, a hipótese de GUN será, provavelmente, considerada como a principal, embora seja mais rara do que a afta comum. Portanto, como professores, devemos estar atentos à heurística da disponibilidade em nossa prática pedagógica. É incrível observar que existem tão poucos textos sobre esse assunto em nossa área.

De forma geral, o viés da disponibilidade está presente na saúde, na economia, nos negócios, no sistema judiciário, na educação, na mídia, etc. Sua marcante e rotineira presença pode influenciar o nosso comportamento. Reconhecê-lo é essencial para que você não se torne uma vítima, dessa armadilha que contamina as nossas tomadas de decisões diárias!

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Por que a biópsia pode não ser representativa da lesão?

O diagnóstico bucal reúne todo o conjunto de especialidades comprometidas na abordagem do paciente, dos exames laboratoriais e complementares utilizados para o estudo do caso. Por que uma biópsia pode não ser representativa da lesão?

Para responder a essa pergunta, é possível apresentar vários exemplos, mas utilizaremos o líquen plano para ilustrar uma situação clínica. O padrão clínico rendilhado, apresentando lesões, usualmente, bilaterais, na forma de estrias, com (ou sem) áreas erosivas, é característico do líquen plano (Figura 1). As áreas brancas visualizadas, clinicamente, resultam do processo de queratinização do epitélio, que surge em resposta a reação inflamatória no tecido conjuntivo subjacente. Entretanto, a queratina formada, durante o exame, decorre de um processo iniciado há semanas (ou meses) – e não significa que no momento da biópsia, o processo inflamatório ainda esteja presente. Por esse motivo, mesmo que a biópsia seja realizada no local das estrias, algumas vezes, o infiltrado inflamatório em banda subepitelial, importante elemento para o diagnóstico patológico, pode não está presente no momento do procedimento. Com isso, o quadro histopatológico será de hiperqueratose, embora, clinicamente, a doença, provavelmente, seja líquen plano. O clínico deve julgar se existe necessidade de realizar outra biópsia, diante do quadro histopatológico, embora não seja sugestivo da doença, pode ser encontrado, em razão das questões apontadas acima.

 

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Figura 1: Exemplo de líquen plano do tipo reticular

 

Outra questão importante é o local que se escolhe para fazer a biópsia, já que, os fenômenos imunopatológicos envolvidos na formação do líquen plano variam de intensidade, com momentos de grande atividade, que levam a destruição parcial do epitélio e a formação de áreas eritematosas, que são intercalados a outros menos severos, que estimulam a formação de queratina.

Diante disso, na hipótese do paciente apresentar áreas erosivas e outras hiperqueratóticas com padrão rendilhado, qual dessas se devem escolher? Particularmente, acredito que fazendo a biópsia na interface, entre as duas áreas (erosivas e estriadas) é possível observar os diferentes espectros do processo imunopatológico, aumentando a chance de se obter uma amostra mais representativa.  Fica claro que, o exemplo citado, é válido para os casos em que o paciente apresenta as duas formas clínicas (Figura 2).

Espero que esse texto tenha contribuído para esse debate. Compartilhe a sua opinião e continue acessando o nosso blog e site!

 

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Figura 2: Líquen plano erosivo. As setas indicam áreas erosivas intercaladas por outras exibindo linhas hiperqueratóticas. Essas áreas são de escolha para biópsia nesses casos.

 

 

 

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