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O que “A Lenda do Cisne Negro” tem a nos ensinar sobre Diagnóstico Bucal?

Depois de alguns anos de prática, em Estomatologia e Patologia Bucomaxilofacial, comecei a questionar certos conceitos que influenciavam as minhas decisões no diagnóstico e tratamento das doenças. Recentemente, fui despertado para a importância desse assunto, após ler textos sobre a forma como tomamos decisões no cotidiano. E, fiquei ainda mais surpreso em ver como isso afeta a nossa vida profissional! Erros cognitivos na tomada de decisões é um tema pouco discutido (ou praticamente ignorado) na Medicina, Odontologia e demais áreas da saúde. Por isso, nesse texto, abordarei: “A Lenda do Cisne Negro”.

Quantas vezes buscamos padrões de comportamento clínico para variantes ou tipo raros de tumores, mas nos esquecemos de que alguns dos eventos encontrados são apenas aleatórios. Quando ignoramos a lei dos pequenos números, somos inclinados a predições equivocadas. Os padrões que foram encontrados nas amostras podem ser apenas consequência de eventos aleatórios. Somente através de um grande número de amostras, conseguiremos identificar a aleatoriedade ou não desses eventos.

Contudo, eventos aleatórios podem ocorrer e são, algumas vezes, imprevisíveis.

Lembremos, então, “A Lenda do Cisne Negro”, quando os primeiros colonizadores ingleses chegaram à Austrália e foram surpreendidos com a presença de Cisnes Negros, já que, na época, acreditava-se que todos os cisnes fossem brancos. Eventualmente, uma situação como essa ocorre na Medicina e Odontologia. E, embora aleatória, ela é simplesmente inexplicável.

Quando vemos, por exemplo, um paciente com cisto radicular e, poucos meses depois, ele desenvolve um carcinoma de células escamosas na mucosa oral, imediatamente, buscamos padrões para conectar esses eventos: um na mucosa e outro intraósseo. Contudo, a hipótese mais provável é de que eles sejam: aleatórios. Se um segundo caso, porventura, for descrito na literatura, assumimos depressa uma relação de causa e efeito para esses episódios. Mas, muitas vezes, não analisamos bem estas questões. Afinal, quantos eventos coincidentes são encontrados durante o exame clínico de pacientes ou nos exames histopatológicos? Quantas vezes buscamos padrões para essas ocorrências, desprezando a simples coincidência do fato? Quantas vezes, um achado microscópico raro em um tumor (ou doença) pode ser, por exemplo, mero produto do acaso, sem qualquer significado clínico ou biológico. Fato é que, buscamos estabelecer relação causal para tudo que encontramos na nossa prática clínica.

Na figura desse artigo, mostro a imagem de um paciente que apresentava tórus palatino e líquen plano no mesmo local. Nesse caso, a nossa mente deve estar aberta às diferentes possibilidades, sendo capaz de reconhecer se há alguma ou, simplesmente, nenhuma associação entre elas.

Portanto, quando estiver revendo os dados clínicos, radiográficos e microscópicos de uma doença incomum, lembre-se de considerar “A Lenda do Cisne Negro.” Não tire conclusões precipitadas, estabelecendo relações de causa e efeito, nem ignore a lei dos pequenos números. Nesse caso, sugiro um exercício que, às vezes, reconheço ter dificuldade em seguir. Ao analisar uma hipótese, comece pelas evidências que não corroboram. Não se prenda somente àqueles que confirmam as suas ideias.

Fazer ciência vai muito além da publicação de um artigo!

O mundo é não-linear. Por que a ciência seria diferente?

Pense nisso!

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Tórus palatino associado com liquen plano

Figura- Imagem clínica de tórus palatino e líquen plano no palato duro. Dois eventos ao acaso ocorrendo simultaneamente.

 

Leitura Complementar:

1- Taleb N. A Lógica do Cisne Negro. 19 ed, 2018.

 

 

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Por que a biópsia pode não ser representativa da lesão?

O diagnóstico bucal reúne todo o conjunto de especialidades comprometidas na abordagem do paciente, dos exames laboratoriais e complementares utilizados para o estudo do caso. Por que uma biópsia pode não ser representativa da lesão?

Para responder a essa pergunta, é possível apresentar vários exemplos, mas utilizaremos o líquen plano para ilustrar uma situação clínica. O padrão clínico rendilhado, apresentando lesões, usualmente, bilaterais, na forma de estrias, com (ou sem) áreas erosivas, é característico do líquen plano (Figura 1). As áreas brancas visualizadas, clinicamente, resultam do processo de queratinização do epitélio, que surge em resposta a reação inflamatória no tecido conjuntivo subjacente. Entretanto, a queratina formada, durante o exame, decorre de um processo iniciado há semanas (ou meses) – e não significa que no momento da biópsia, o processo inflamatório ainda esteja presente. Por esse motivo, mesmo que a biópsia seja realizada no local das estrias, algumas vezes, o infiltrado inflamatório em banda subepitelial, importante elemento para o diagnóstico patológico, pode não está presente no momento do procedimento. Com isso, o quadro histopatológico será de hiperqueratose, embora, clinicamente, a doença, provavelmente, seja líquen plano. O clínico deve julgar se existe necessidade de realizar outra biópsia, diante do quadro histopatológico, embora não seja sugestivo da doença, pode ser encontrado, em razão das questões apontadas acima.

 

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Figura 1: Exemplo de líquen plano do tipo reticular

 

Outra questão importante é o local que se escolhe para fazer a biópsia, já que, os fenômenos imunopatológicos envolvidos na formação do líquen plano variam de intensidade, com momentos de grande atividade, que levam a destruição parcial do epitélio e a formação de áreas eritematosas, que são intercalados a outros menos severos, que estimulam a formação de queratina.

Diante disso, na hipótese do paciente apresentar áreas erosivas e outras hiperqueratóticas com padrão rendilhado, qual dessas se devem escolher? Particularmente, acredito que fazendo a biópsia na interface, entre as duas áreas (erosivas e estriadas) é possível observar os diferentes espectros do processo imunopatológico, aumentando a chance de se obter uma amostra mais representativa.  Fica claro que, o exemplo citado, é válido para os casos em que o paciente apresenta as duas formas clínicas (Figura 2).

Espero que esse texto tenha contribuído para esse debate. Compartilhe a sua opinião e continue acessando o nosso blog e site!

 

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Figura 2: Líquen plano erosivo. As setas indicam áreas erosivas intercaladas por outras exibindo linhas hiperqueratóticas. Essas áreas são de escolha para biópsia nesses casos.

 

 

 

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