Preciso incluir tecido normal na biópsia?

Preciso incluir tecido normal na biópsia? Essa é uma pergunta curiosa e frequente em nosso cotidiano.

“É necessário incluirmos o tecido normal para o diagnóstico histopatológico?” Aproveito esse espaço para expor e trazer algumas reflexões sobre o assunto.

Para responder essa pergunta, precisamos, antes, contextualizar algumas situações. Vejamos, por exemplo, um caso clínico em que a hipótese principal é de carcinoma de células escamosas (Figuras 1 e 2).

O diagnóstico do carcinoma de células escamosas está ancorado em um conjunto de características que mostra basicamente a invasão do tecido conjuntivo pelas células neoplásicas.

A presença de tecido normal nesses casos é completamente dispensável para o diagnóstico. Entretanto, muitas vezes, o clínico realiza a biópsia próxima do tecido normal em razão da facilidade de se realizar a sutura.

Neoplasias são formadas pelo crescimento desordenado de células, rompendo o equilíbrio entre o estroma (tecido conjuntivo, no exemplo do carcinoma) e o parênquima que é formado pelas células tumorais. Esse desarranjo leva a uma modificação na consistência, na coloração e na vascularização da amostra removida para o exame.  Como consequência disso, o material coletado, no caso o carcinoma, muitas vezes, é friável, tornando difícil a sutura dos tecidos, após a remoção para análise microscópica. Por esse motivo, é interessante realizar a biópsia em um local mais próximo do tecido normal, embora isso não queira dizer que precisamos necessariamente do tecido normal para o diagnóstico.

 

Imagem de carcinoma de células escamosas no lábioImagem microscópica do carcinoma de células escamosas de boca

Figuras 1 e 2: Observe a presença de úlcera com bodas em rolete do carcinoma de células escamosas de lábio inferior. Na imagem microscópica temos o revestimento da mucosa bucal e mais profundamente notamos a presença de lençóis de células do carcinoma. Como a biópsia foi realizada na periferia, foi possível observar o revestimento da mucosa. Entretanto, para o diagnóstico, apenas a presença do componente neoplásico é necessário.

 

Apesar da presença de tecido normal ser dispensável em grande parte das situações clínicas do cotidiano, é importante destacarmos algumas exceções.

As doenças imunomediadas, como pênfigo vulgar ou os penfigóides, configuram uma situação distinta. Nessas enfermidades, o processo patológico leva a formação de uma bolha, intra ou subepitelial, dificultando a realização da biópsia e sua posterior análise pelo patologista. Nas regiões mais próximas do tecido normal, geralmente, existe maior preservação da relação epitélio/conjuntivo e a fragmento obtido terá a sua integridade mais bem preservada. Nesses casos, a biópsia próxima do tecido normal facilitará a visualização da possível fenda responsável pela lesão bolhosa, facilitando o diagnóstico. Nas áreas mais centrais da lesão, como é possível que já tenha ocorrido à perda do revestimento epitelial, a possibilidade de uma úlcera associada com processo inflamatório inespecífico é uma realidade. Isso traz frustação, tanto para o clínico como para o paciente, exigindo a repetição do exame.

Em resumo, a inclusão de tecido normal na biópsia deve-se muito mais a algumas peculiaridades, como as descritas acima, do que propriamente a necessidade de tecido normal para o diagnóstico.

Espero que esse texto tenha contribuído para o debate. Compartilhe a sua opinião e continue acessando o nosso blog e site!

 

 

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Fabrício Souza
3 anos atrás

Excelentes colocações professor Ricardo!

Fernanda Lago
3 anos atrás

Muito obrigada! Super esclarecedor.

Maria Auxiliadora
3 anos atrás

Oi Ricardo, essa é uma dúvida recorrente e as considerações sempre bem vindas. Gostaria apenas de fazer uma colocação: como o carcinoma de células escamosas geralmente apresenta uma úlcera central, a retirada apenas desse tecido necrosado também traz dificuldades quanto ao diagnóstico histopatológico que pode, assim, ser inconclusivo. Um abraço.

Ricardo Santiago Gomez
3 anos atrás

Agradeço a todos pelos comentários!

Humberto Jácome
3 anos atrás

Muito interessante a reflexão, professor! Concordo completamente.
Isso resgata também a importância da informação clínica junto ao material da biópsia. A localização da lesão, por exemplo, é uma excelente ferramenta que podemos utilizar para guiar o raciocínio na interpretação do caso. De posse dessa informação, já teremos ideia do que se espera para um tecido normal, dispensando portando (em grande parte dos casos) a necessidade da presença de tecido não afetado.
Talvez em uma situação hipotética onde não se tivesse a informação sobre a localização de determinada lesão, uma porção de tecido normal pudesse ser útil em algumas ocasiões, por exemplo, para identificar um possível caso de natureza metastática. (O que acham?)

Janine Mayra
3 anos atrás

Muito obrigada pelas explicações! Faz tempo que a nossa área da Patologia carece de blogs com postagens de alto nível! Parabéns pela retomada desse projeto, professor.